Está trabalhando em casa porque a empresa mandou?

Trabalhar em casa, no home office, virou a solução para grande parte das empresas como medida de proteção de seus funcionários contra a expansão do coronavírus.

Mas o trabalhador está garantido por lei com esta medida? Quais seus direitos e deveres? Ouvimos os advogados especialistas em direito do trabalho sobre o assunto.

“Além da adequação jurídica, para realizar o trabalho remoto de forma segura, é necessário estabelecer regras, preparar a infraestrutura e ferramentas a serem utilizadas para garantir a segurança das informações trocadas entre empresa e funcionário, não esquecendo de já se adequar à LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais], que começará a vigorar em agosto deste ano”, afirmou o advogado Cesar Pasold Junior, sócio e coordenador nacional trabalhista do escritório Marcelo Tostes Advogados.

As empresas podem colocar os trabalhadores em home office? A lei permite?

Sim, é permitido por lei. A reforma trabalhista passou a regulamentar na CLT

(Consolidação das Leis do Trabalho) o trabalho na modalidade home office, que se caracteriza pela prestação dos serviços fora das dependências da empresa. Agora, a MP 927/2020, publicada pelo governo federal, dispensa algumas formalidades, permitindo que essa seja uma decisão do empregador.

“A nova medida provisória, em seu artigo 4, promove uma desburocratização na implantação do trabalho home office, dispensando o aditivo ao contrato de trabalho”, disse Fernanda Perregil do Innocenti Advogados Associados. O trabalho home office nesse período de pandemia (transitório) também vale para estagiários e aprendizes.

Precisa assinar alguma coisa concordando com o home office?

O artigo 75-C da CLT determina que a prestação de serviços na modalidade de home office deve constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado (pode ser elaborado termo aditivo de contrato de trabalho, por exemplo). Empresa e funcionário normalmente negociam essa questão. Contudo, com a MP 927, durante o período de calamidade pública, com efeitos que se estendem até 31 de dezembro de 2020, o home office transitório poderá ser adotado por imposição da empresa, não precisando da concordância do empregado.

Com a MP 927, não será necessário um aditivo contratual, bastando a empresa comunicar por escrito ou por meio eletrônico ao empregado com 48 horas de antecedência.

“Porém, a MP ressalvou que, se houver despesas a serem pagas ou ressarcidas pelo empregador, as condições deverão ser por escrito”, disse Carlos Silva, diretor Jurídico da ABRH-SP (Seccional São Paulo da Associação Brasileira de Recursos Humanos).

Há mudança de salário?

Não há alteração salarial, caso o empregado mantenha as mesmas atividades e carga horária.

O empregador precisa pagar algum adicional para custear internet, luz e telefone?

Segundo Fernanda Perregil, a CLT não especifica quem deverá arcar com as despesas relacionadas à aquisição, manutenção e fornecimento dos equipamentos para o trabalho, como computadores, internet e telefone. “Contudo, pelos princípios do direito do trabalho, não faz sentido que o empregado arque com essas despesas”, declarou.

A MP 927 prevê que se o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do home office, o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, mas isso não irá caracterizar verba de natureza salarial. Isso deverá ser previsto em aditivocontratual.

Para a advogada Alessandra Arraes, do escritório Aparecido Inácio Advogados, a empresa deverá reembolsar o empregado, caso seja o funcionário que compre os equipamentos. “Ou seja, a empresa e o empregado podem chegar a um acordo de quem irá adquirir os equipamentos. Caso seja o funcionário, ele deverá ser reembolsado, já que o fornecimento dos meios de trabalho é responsabilidade do empregador”, afirmou.

A MP estabeleceu que, se a empresa não fornecer as condições para o funcionário trabalhar em casa, ela deverá remunerar esse tempo colocado à disposição da companhia, mesmo sem exercício de atividade.

A empresa pode exigir que o trabalhador vá ao escritório? E se for do grupo de risco?

Apenas as empresas que prestam serviços essenciais podem exigir que os funcionários compareçam ao escritório no período de quarentena, conforme o Decreto 10.282/2020, que elenca serviços públicos e atividades que não devem ser interrompidos.

“Para os colaboradores que fazem parte do quadro de funcionários de empresas que prestam serviços essenciais, a empresa precisa tomar todas as precauções de higiene necessárias para evitar o contágio e seguirem rigorosamente as normas sanitárias”, afirmouPasold Junior.

Carlos Silva, da ABRH-SP, diz, no entanto, que o poder diretivo da empresa continua a existir ainda que o empregado esteja em home office. “Havendo a imperiosa necessidade de ida ao escritório, o empregado deverá se cercar de medidas protetivas para se locomover e comparecer naquele ambiente. Por outro lado, a empresa deve evitar que o empregado tenha que ali comparecer. Mas, se for imprescindível a sua presença, deve adotar todos os instrumentos protetivos para prevenir a contaminação”, disse.

O artigo 157 da CLT prevê a garantia da proteção da saúde e segurança de seus

trabalhadores. “Se esse não for o cenário, especialmente no caso dos empregados do grupo de risco, o contrato de trabalho poder ser rescindido, por justa causa, por parte do empregado, por perigo manifesto de mal considerável”, afirmou Alessandra Arraes.

A MP 927 prevê que trabalhadores pertencentes ao grupo de risco do coronavírus devem ser priorizados para o gozo de férias, individuais ou coletivas.

O empregado pode se recusar a ir trabalhar no escritório?

Caso seja funcionário das empresas que prestam serviços essenciais e não possua justificativa médica para tal, o empregado não pode se recusar. “Mas o ideal é analisar caso a caso, pois há muitos regramentos estaduais e municipais distintos, além da normativa federal”, disse Pasold Junior.

Carlos Silva, da ABRH-SP, diz que o empregado, ao assinar o contrato de trabalho, se obrigou a prestar os serviços na empresa. “Sua recusa a ir trabalhar no escritório pode ensejar a aplicação da penalidade prevista em artigo 482 da CLT.”

Para Alessandra Arraes, no entanto, nos casos em que a empresa não adota medidas mínimas de prevenção, é válida a recusa do empregado de trabalhar em área que ofereça risco iminente à sua saúde. “É possível até, em determinados casos, a justa rescisão do contrato de trabalho por ‘perigo manifesto de mal considerável’, conforme artigo 483 da CLT”, disse.

“É preciso analisar o caso em concreto, levando-se em conta a particularidade do trabalhador [grupo de risco], atividade essencial ou não, o ambiente de trabalho e grau de risco, as medidas preventivas adotadas pela empresa, atos do poder legislativo e decretos governamentais que podem trazer alguma regulamentação específica”, afirmou Fernanda Perregil.

A empresa pode suspender o vale-transporte durante esse período?

Sim, pois não haverá deslocamento do trabalhador entre sua casa e o local de trabalho, e vice-versa.

E o vale-refeição e vale-alimentação?

Para o vale-refeição (VR) e o vale-alimentação (VA), há controvérsias.

Horário de trabalho deve ser o mesmo ou muda no home office?

Para o trabalhador em home office transitório, ocasionado em virtude da pandemia do coronavírus, o horário de trabalho poderá ser o mesmo.

“Embora a regra geral da CLT exclua o trabalhador em home office das disposições sobrejorn ada de trabalho, podemos entender que as normas sobre jornada se mantêm as mesmas do trabalho presencial, pois esse regime está sendo adotado de modo excepcional/emergencial, em razão da necessidade de isolamento da comunidade. Contudo, como se trata de situação atípica, não se sabe ainda como eventuais conflitos sobre esse tema serão interpretados pela Justiça”, declarou Alessandra Arraes.

Carlos Silva, da ABRH-SP, diz que a empresa poderá reforçar aos empregados em regime home office que o horário de trabalho continuará a ser o mesmo.

Já nos casos de home office permanente, ou seja, quando o funcionário já trabalhava em casa ou a distância, não haveria aplicação das regras sobre jornada de trabalho nem o pagamento de horas extras.

Fernanda Perregil diz que, pela regra geral, os empregados em trabalho home office (permanente) não estão submetidos ao regime normal de trabalho e, por isso, não teriam direito ao recebimento de horas extras, como prevê o artigo 62, inciso III, da CLT.

Horário de almoço e intervalos entre as jornadas continuam os mesmos?

Sim. O trabalhador tem direito a horário de almoço e intervalos entre um dia de trabalho e outro como se estivesse na empresa.

Se o trabalhador não tem equipamento em casa, a empresa precisa fornecer?

Sim, a empresa precisa fornecer as condições necessárias para desempenho das funções do funcionário em casa, e isso inclui equipamentos.

“O assunto foi reforçado pela MP 927, que, no artigo 4º, dita: se houver despesas a serem pagas ou ressarcidas pela empresa, as condições deverão ser estabelecidas por escrito, e a empresa poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial”, disse Carlos Silva, da ABRH-SP.

Como a empresa pode controlar o trabalhador? Precisa bater ponto virtual?

Em regra, os funcionários em home office permanente são dispensados do controle de ponto. O artigo 62 da CLT, inciso III prevê que o limite de oito horas diárias ou 44 horas semanais, o pagamento de horas extras ou ainda o respectivo adicional de 50% não se aplicam a esses empregados, em razão da natureza do trabalho.

“Contudo, isso não impede que as empresas estabeleçam uma forma de controle, seja por tarefa ou produtividade. Lembrando que as novas tecnologias possibilitam que o empregador realize o controle do trabalho home office, por meio de softwares e sistemas de intranet. Mas esses trabalhadores que sofrem um controle efetivo da jornada teriam direito à aplicação dos limites de jornada de trabalho, inclusive ao pagamento de horas extras, o que pode gerar discussões na Justiça do Trabalho”, declarou Fernanda Perregil.

O advogado Pasold Junior diz que a MP 927 deixou explicitamente de fora do controle de jornada o trabalho em home office. “Entretanto, para a adoção do home office com controle de jornada estrita, as medidas de controle são as legais.”

Carlos Silva, da ABRH-SP, diz que, na hipótese de a empresa adotar controle de frequência virtual, quando o empregado assinala os horários de entrada, intervalos e saída em registros virtuais, via sistema, este controle poderá ser aplicado no regime de home office. O mesmo se aplica no caso de registros de frequência manuais, quando os horários são assinalados pelo próprio empregado.

“Todavia, sabe-se que não há como exercer supervisão quanto à permanência do empregado no seu posto de trabalho. As metas de trabalho, como quantidade, qualidade e tempo para entrega, devem ser claras e, em especial, dimensionadas para o tempo de jornada diária de trabalho”, afirmou.

Como ficam as horas extras?

Os trabalhadores em trabalho home office não estão submetidos ao regime normal de trabalho e por isso não recebem horas extras. No entanto, diz Fernanda Perregil, nos casos de home office e havendo controle da jornada pelo empregador, as horas extras são computadas da mesma forma que no trabalho presencial, realizado na empresa.

A MP 927/2020 prevê uma situação excepcional de que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui hora extra, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.

Carlos Silva, da ABRH-SP, diz ainda que, havendo solicitação da empresa para que o empregado (em home office) antecipe alguma tarefa ou realize certo serviço suplementar, e isso exigir que realize horas extras, estas horas deverão ser assinaladas nos controles de frequência, pagas ou compensadas na maneira usual.

Se ficar doente no período de home office? Como agir?

O funcionário deve proceder da mesma forma que procede quando está no escritório. Deve buscar consulta médica junto ao médico de trabalho da organização, do plano médico disponibilizado ou do serviço público.

Caso tenha recomendação de não desempenhar suas funções, deve assim permanecer afastado, justificando sua ausência com atestados ou laudos médicos para o abono das faltas.

Esse trabalhador receberá os primeiros 15 dias pela empresa, depois será pago o benefício de auxílio-doença da Previdência Social. Se for o caso de doença profissional ou acidente de trabalho, o empregado receberá o benefício de auxílio-acidente da Previdência Social, com a emissão da CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho).

“Mesmo que o empregado trabalhe em sua própria residência, a legislação determina que o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”, declarou Fernanda Perregil.

O que fazer, se pegar covid-19 no período de home office?

No caso de diagnóstico de covid-19, o funcionário deverá ser afastado imediatamente de suas atividades. Ele precisa comunicar a empresa quanto à constatação da doença e à necessidade de interromper suas atividades. O atestado médico deverá ser entregue ou enviado ao gestor ou RH da empresa, para o abono de faltas.

Quanto à remuneração, ele receberá os primeiros 15 dias pela empresa; após esse período, terá direito ao benefício de auxílio-doença da Previdência Social. O governo federal anunciou que irá arcar com os 15 primeiros dias de afastamento do empregado, mas até agora a proposta não foi aprovada pelo Congresso Nacional.

A empresa pode dar home office para uns e para outros não?

Sim, a empresa não está obrigada a adotar o regime de home office transitório para todos, até porque existem serviços incompatíveis com a modalidade home office. Cabe ao empregador definir quais atividades podem ser realizadas em regime home office.

 

 

 
Fonte: uol.com.br
 

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